Fez ontem, dia 19 de Abril, oito anos
que o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito Papa, tomando o nome de Bento XVI.
Confesso que, a inicio, foi daqueles
que tinha uma certa opinião negativa a seu respeito, um pouco por influencia da
imagem que a Comunicação social foi criando
à sua volta, durante o pontificado do seu antecessor João Paulo II: a do “Panzer
-Cardeal”, a do “Grande Inquisidor”, o ortodoxo da linha dura e perseguidor do
teólogos dissidentes, uma espécie de nostálgico do Pré-Vaticano II - ele que anos 60, fez parte da plêiade de
teólogos ”liberais” do mesmo Concilio como assessor (do cardeal Friggs, arcebispo
de Colónia) mas que se teria “deslocado para o conservadorismo”, assutado com a
crise pós-conciliar e com as revoltas do Maio de 1968.
Mas tenho que admitir que mudei de
opinião a seu respeito, ao longo do seu (afinal) breve pontificado de oito
anos. Bento XVI foi um Papa de enorme estatura intelectual, tal como foi
durante a sua vida como teólogo, padre, arcebispo e cardeal. As suas encíclicas
(sobretudo “Deus Caritas Est”) e os seus livros (quer os que escreveu como
teólogo – a fabulosa “Introdução ao Cristianismo”- quer como Papa - a trilogia “Jesus de Nazaré”) ficarão na
História da Igreja e mesmo da Cultura. Também a compilação das suas “catequeses”
das audiências de quarta-feira são notabilíssimas, pois conseguiu falar de
temas teológicos e de santos em linguagem simples e acessível ao comum dos
fieis.
Recebeu homenagens de intelectuais
laicos, como o filósofo alemão Jurgen Habermas e o escritor peruano Mário
Vargas Llosa. Relançou as pontes entre a Fé católica e o mundo da cultura, através
da criação do “Pátio dos gentios”; prosseguiu o estilo “missionário” de João
Paulo II, com as sua viagens ao longo do Mundo; procurou restaurar a dignidade
da Liturgia católica, rectificando alguns aspectos e abusos; reabilitou a Missa
Tridentina cheia de beleza e hieratismo; tentou (em vão) a reintegração dos tradicionalistas
da Fraternidade de S. Pio X na Igreja. E perante o revelar dos escândalos de
pedofilia e pederastia dalguns membros do clero católico, pediu publicamente
perdão às vítimas, encontrou-se com elas nas suas viagens, e promulgou normas
severas para que tais abusos não se voltassem a repetir, manchando quer a dignidade
das crianças e adolescentes, que o rosto da Igreja, em que se deve sempre
reflectir a Beleza de espiritual de Cristo.
Mas este Papa idoso, tímido,
inteligentíssimo, de voz suave e sem grande carisma junto das multidões (ao contrario
do seu antecessor, «o Papa mais popular de sempre», espécie de estrela «pop») teve
que defrontar o longo dos seus oito anos de pontificado, uma oposição surda,
tenaz, quer vindo de sectores laicistas radicais das nossas Sociedades
“pós-cristãs”, quer mesmo de sectores do interior da sua própria Igreja -
aqueles que nunca lhe perdoaram a suposta viragem para posições conservadoras (“foram
eles que mudaram, não eu”, disse uma vez) e condenação dos desvios dalguns
teólogos.
Foi acusado tenazmente de encobridor
de padres pedófilos, quando foi dos primeiros a denunciar esse mal e a combatê-lo; as suas afirmações sobre a forma
mais eficaz de combater a epidemia da sida foram deturpadas (“uma sexualidade
humanizada”: fidelidade conjugal, abstinência pré-matrimonial, etc.),
provocando a ira da opinião publica contra ele e contra a Igreja ao ponto de
acusar o Papa pelo alastramento da sida em África; o levantamento das
excomunhões aos Bispos “integristas”, seguidores do cisma do Arcebispo Lefebvre
levou à revelação de que um destes seria “negacionista” do Holocausto e que o Papa se prepararia
para readmitir na Igreja elementos “fascistas e anti-semitas” - o que provocou
mais uma avalanche de “protestos”, tendo o Papa acabado por escrever uma carta
aos Bispos do mundo inteiro, acusando-os quase de o terem abandonado nesta situação
e de não ter sido convenientemente informado. E todos recordarão ainda o famoso episodio de um
seu discurso em 2006, a quando da sua visita à Alemanha, em que uma citação de
um Imperador bizantino do século XIV sobre o Islão e seu profeta Maomé levou,
em alguns países muçulmanos, a uma fúria anti-Papa, em que alguns cristãos
forma inclusive mortos.
Mas penso que o mais doloroso para o
ex-Pontífice terá sido o famoso caso da fuga de documentos pessoais, feita pelo
seu próprio mordomo (a “Vatileaks”), bem como a relatório que depois encomendou
a três cardeais da sua inteira confiança e que nunca foi tornado público sobre
esse escândalo e outros (as intrigas da Cúria romana, Banco do Vaticano, comportamento
sexual dalguns membros do clero, etc.) . Bento XVI ter-se-á provavelmente sentido
traído pelos seus mais directos colaboradores (não sabemos até que ponto) e,
sentindo-se velho, cansado e sem forças, preferiu abdicar da chefia da Igreja
(algo inédito desde o século XV), deixando ao seu sucessor a tarefa (gigantesca)
de “pôr a casa em ordem”.
Como católico, rezo pelo Papa-emérito,
Bento XVI e pelo presente Papa, Francisco
I; mas não posso, pessoalmente, de sentir um sentimento de tristeza pelo facto do
anterior Pontífice (“um dos Papas mais cultos e inteligentes que a Igreja teve
em séculos”, como disse o escritor agnóstico Vargas Llosa) ter recebido tanta incompreensão,
hostilidade, ódio, e rejeição durante o seu pontificado, que foi, um martírio
silencioso e incruento. Um pouco como no dístico que lhe atribuído na (provavelmente
apócrifa) “Profecia dos Papas”, atribuída ao bispo irlandês S. Malaquias: “Glória da Oliveira”. Ora foi no
Jardim das Oliveiras, que Jesus iniciou a sua paixão, depois da Última Ceia. O
pontificado de Bento XVI foi um silencioso e incruento martírio. Hoje, no
retiro do mosteiro “Mater Ecclesiae”, à semelhança do seu longínquo antecessor
S. Celestino V - o Papa do século XIII que também abdicou – Jospeh Ratzinger, como
já alguém disse, “depois de ter falado
de Deus a nós, fala de nós a Deus”.
Que Deus dê a Sua bênção, a ele e a nós.